Dar corpo à alma, materializar o invisível

Assim se realiza a quarta edição dos Jardins Efémeros…

Habitar a urbe, debater a pólis, okupar a cidade; vivê-la e pensá-la como lugar com gente dentro. De facto, ao longo dos anos anteriores, muito aqui se foi dizendo sobre intenções, objectivos, meios e alvos de um festival – melhor, de uma festa – em que o espaço foi crescendo e o calendário alongando.
Mas, sobretudo, muito se foi realizando nos palcos e mesas, montras e varandas, ruas e praças da cidade; o que, afinal, impôs – isso mesmo, «impôs» – esse alargamento.

Temos cruzado o material com o imaterial da cidade, na fruição das mostras, acções e espectáculos que têm florido nestes jardins. Ousamos, agora (não cegamente), olhar o seu lado invisível; ouvi-lo, dizê-lo, enfim… vê-lo. Sem, nem um segundo, deixar de considerar o óbvio prazer do que se constrói, continuar a procurar ir além da obviedade do senso comum – afinal, o bom senso – e dar corpo a, materializar, o que se esconde atrás de um quotidiano minimal e automático (talvez empreendedorista, quem sabe?), primeiro passo da construção de um não-lugar.

E persistimos em, através de artes e ideias, espectáculos, exposições e debates, comunicação e sociabilidade urbanas, percorrer uma rua/caminho de cidade onde a História é um passado de sucessivas contemporaneidades e o presente possa vir a ser uma referência tradicional do futuro.

Tem sido hábito citar vozes poéticas a encerrar os preliminares escritos destes efémeros jardins. Não deixamos de manter a tradição; não porque seja tradição, mas porque – referenciando o simbolismo da sua história, embora curta – a reactualizamos e a tornamos, hoje mesmo, adequada ao que propomos fazer e interactiva com quem o queremos realizar. É, assim, que esperamos dar um contributo para prevenir e evitar uma cidade onde vivas por um fio de puro acaso (Alexandre O’Neill) ou, pluralizando, cidades que são esqueletos de aves de rapina (Mário Henrique Leiria) e, ainda, sítios onde os reclames do coração se cruzam, solitários e agrestes, reflectidos por trás nos ossos empedrados (Luís Miguel Nava).


João Luís Oliva